Mãe acusa escola de São Paulo de negar matrícula para seu filho autista
Após descobrir o diagnóstico do filho, Fernanda conta ter tido dificuldade em encontrar um colégio que aceite o garoto
Por Vitória Batistoti com Vanessa Lima
Em vigor desde janeiro do ano passado, a Lei nº 13.146 – conhecida por Lei Brasileira de Inclusão – aprovada pelo Senado em julho de 2015, assegura o direito à cidadania das pessoas com deficiência, entre eles, a garantia de que escolas da rede privada se adaptem para atender a essa parcela da sociedade. Ainda assim, ainda são comuns os relatos de mães de crianças com deficiência que têm dificuldade para encontrar colégios adequados para seus filhos. A publicitária Fernanda Poli, 35, é uma delas. Mãe de Miguel, 3, Fernanda relatou, em seu blog pessoal, os empecilhos que vem enfrentando durante a tentativa de encontrar um bom colégio para seu filho, diagnosticado com autismo em julho do ano passado.
Desde os 10 meses, Miguel frequenta o mesmo colégio da rede privada, sobre o qual a mãe não tem reclamações. No entanto, após a descoberta do diagnóstico do filho, Fernanda decidiu buscar um espaço educacional que fosse mais acolhedor às especificidades dele. “Mesmo sem muitas referências, naquela época, eu imaginava que a escola em que ele estava não era muito acolhedora porque ali tem muitos alunos, o que não é legal para uma criança com autismo, que se sente constrangida e pode ficar perturbada na presença de um número grande de pessoas”, relembra a mãe.
Assim começou a empreitada de Fernanda. Ainda no meio do ano passado, ela foi buscar uma vaga para Miguel em um colégio no bairro Vila Olímpia, na zona sul da cidade. “Participei de um processo seletivo e, logo de cara, avisei que meu filho tinha autismo. Eles disseram que ele precisava passar por uma vivência e depois alegaram que não havia mais vagas para inclusão na educação infantil”, explica a publicitária.
No começo deste ano, Fernanda decidiu sair novamente em busca de um espaço para Miguel, mas, continuou enfrentando dificuldades. “Quando eu contava sobre o diagnóstico do meu filho, percebia que botavam empecilhos, dizendo que havia muitos alunos na escola, coisas assim. Não faziam de nada para me tranquilizar, nenhuma tentativa para me manter interessada na escola. Não se propunham a me fazer sentir que, mesmo com a quantidade de crianças que eles atendiam, teriam foco no Miguel”, conta a mãe.
Por conta disso, Fernanda foi em busca de colégios que tivessem como foco a inclusão e conheceu a Escola Morumbi, no bairro Moema. Durante a primeira visita ao espaço, a mãe apreciou muito o acolhimento que ela e seu filho receberam. “Foi tão maravilhoso que eu até comentei que ali parecia uma extensão da minha casa. A coordenadora dizia ‘essa é a sala do seu filho’, ‘esses são os amigos dele’, ‘esse é o parquinho em que ele vai brincar’, o incluindo em cada espaço”, explica. “Mas então alertei sobre o diagnóstico do Miguel e houve um silêncio constrangedor. Depois, me avisaram que ele precisava participar de uma vivência, mesmo que já estivesse, naquele dia, na sala de aula com as crianças da idade dele, tomando lanche e participando do ensaio do dia das mães. Ele tinha gostado muito”, completa Fernanda.
Na semana seguinte, a coordenação do colégio marcou uma segunda vivência para Miguel. “Nós aceitamos: meu filho faltou na escola, meu marido, no trabalho, e fomos. Durou 45 minutos. Depois, duas coordenadoras vieram nos informar que tinham algo muito delicado para contar e disseram que nosso filho não poderia participar porque no período da tarde já havia dois alunos de inclusão”, lembra a mãe. Como ela ainda comenta, antes que pudesse sugerir o período da manhã, as funcionárias avisaram que já havia outro colega com inclusão.
Após receber a resposta, a mãe questionou. “Na primeira vez em que fomos lá, haviam me informado que no período da manhã tinha apenas um aluno de inclusão e, na semana seguinte, falaram que eram dois. Questionei, mas tentaram me explicar dizendo que outra criança da sala tinha recebido o diagnóstico no intervalo daqueles dias”, alega Fernanda, que explica ter sentido um jogo emocional. “Nos seguraram até o último minuto para dizer se ele poderia entrar ali ou não e depois ficaram dizendo coisas como ‘ele é um querido’, ‘tem um lindo olhar’ e até ‘podemos te indicar outras escolas’”, adiciona. Na despedida do colégio, Miguel dizia que não queria sair dali, que tinha gostado muito do ambiente.
Frustrada, Fernanda enviou, no dia seguinte, um e-mail à escola e ligou na diretoria de ensino da região da cidade e explicou o corrido. Em seguida, contatou o Ministério Público, que já está dando andamento à ação. “Em nenhum momento, a Escola Morumbi veio me pedir desculpas, mas, sim, tentar me convencer de que eu estava enganada, de que não tinha entendido direito. Me ligaram, retornaram meu e-mail, mas sem retratações. Até disseram que as portas estavam abertas para nós”, diz.
A escola
Procurada para comentar o caso, a diretora da Escola Morumbi, Juliana Hanftwurzel, relata que houve uma confusão: “Foi uma falta de entendimento da mãe para com a nossa conduta. Nunca negamos a matrícula, apenas orientamos que aquele ambiente de sala de aula, com aquele grupo de alunos, não era propício, não era o que o filho dela precisava”. A porta-voz do colégio ressalta o compromisso de inclusão do colégio. “Temos uma proposta muito humana na escola e, para nós, é valioso ter alunos de inclusão, por isso, não houve recusa, apenas uma observação de que naquela sala já havia um aluno com a mesma condição que o filho dela”.
O que diz a lei?
Segundo explica a especialista em direito educacional Ana Cecilia Castello Branco Sahione, a Lei Brasileira de Inclusão é muito completa. “A lei obriga que as escolas particulares aceitem e recebam as crianças que tenham qualquer tipo de necessidade especial. Ela, por si só, já é suficiente para que nenhuma escola recuse a matrícula de nenhum aluno”, analisa.
Outro ponto positivo da norma é que os colégios não podem aumentar a mensalidade de crianças com deficiência. “As escolas têm de oferecer profissionais de apoio a esses alunos sem cobrar valores extras. Essa é a grande inovação da lei, já que, antes, isso costumava acontecer”, comenta também especialista em direito educacional e advogada Simone Munhoz Soares Martinho.
Além disso, como explica Ana Cecilia, a Lei Brasileira de Inclusão proununcia que os colégios devem ser capazes de abrigar todos os alunos e possíveis interessados em se matricular: “Não existe limitação de alunos com deficiência por sala de aula, a lei informa que todos os colégios devem estar aptos a receber essas crianças”, explica. Ainda assim, há, até o momento, uma deliberação no estado do Rio de Janeiro que delimita a quantidade de alunos com inclusão por sala de aula. “Ele é ilegal e inconstitucional”, julga a especialista. “Mas, no estado de São Paulo, não há limitação de aluno por classe. As escolas precisam incorporar, de alguma forma, as crianças com deficiência. Elas devem se preparar para recebê-las”, completa.
Como explicam ambas especialistas, em situações em que pais de crianças com deficiência tenham a matrícula negada em algum ambiente escolar, eles devem recorrer ao Poder Judiciário ou ao Conselho Tutelar. Consequentemente, o Ministério Público será inserido no processo, já que o caso envolve um menor de idade. “Os pais tanto podem podem pedir um mandado para que a criança seja matriculada no colégio, como exigir danos morais pela postura da instituição, afirmando que ela deveria estar adaptada para receber a criança com infraestrutura necessária”, resume Ana Cecilia.
Leia a matéria completa clicando aqui